alergia e cotidiano
o mundo dos imunobiológicos
Você já ouviu falar dos imunobiológicos? Essa classe de medicamentos de última geração começou a ganhar evidência no mundo das alergias. Mas, o que eles são exatamente? E eles são melhores contra as alergias do que as bem estabelecidas vacinas para a imunoterapia? Consigo encontrar facilmente aqui no Brasil? Aqui vamos tentar responder essas perguntar de forma a esclarecer e desmistificar esses medicamentos.
O que são os imunobiológicos?
Como o próprio nome sugere, os imunobiológicos são partículas de origem biológica, ou seja, produzidos por seres vivos, e que agem modificando o sistema de defesa da pessoa, o sistema imunológico. Enquanto as vacinas ditas clássicas, que tomamos nos postos de saúde, são culturas ou extratos, ativos ou inativos, de micróbios ou mesmo de outros seres vivos, os imunobiológicos são moléculas produzidas em
laboratório por organismos vivos ou células e que, depois de purificadas, são administradas na forma de medicamentos ou vacinas.
É importante dizer que esses agentes biológicos atuam dentro do nosso corpo se prendendo a alvos que são geralmente únicos e muito bem descritos e estudados. Eles fazem parte do que chamamos atualmente de medicina personalizada ou medicina de precisão, caracterizada pelo uso de medicamentos e terapias específicas para a doença do paciente de modo a aumentar a segurança e a eficácia delas.
Os imunobiológicos mais promissores no universo das alergias são os anticorpos monoclonais. Anticorpos são proteínas produzidas e liberadas por células do sistema imunológico com o objetivo de combater infecções, pois agem se ligando e neutralizando alvos potencialmente danosos ao corpo, os chamados antígenos; já o termo “monoclonal” mostra que os anticorpos em questão têm apenas um único alvo, que é uma das características da medicina de precisão.
Esses anticorpos monoclonais são produzidos em laboratório, purificados, concentrados e até mesmo modificados para potencializar o seu efeito e podem ser utilizados para o tratamento de muitas doenças, não só infecções, como o caso de doenças genéticas, cânceres, doenças autoimunes e alergias.
Quais são os imunobiológicos para as doenças alérgicas?
Um dos anticorpos monoclonais mais receitados na prática clínica das alergias é o Omalizumabe (Xolair) que agem no nosso corpo se prendendo e anulando outros anticorpos. Mais especificamente, ele neutraliza os anticorpos do tipo E (IgE) que são responsáveis pelas alergias, estando presentes nos indivíduos alérgicos. Num exemplo prático, durante uma crise alérgica a elementos da poeira, como os ácaros, o corpo produz alta quantidade de anticorpos tipo E, que acabam se prendendo a esses fragmentos de ácaros inalados e desenvolvem todos os sintomas desconfortáveis da alergia. Quando o paciente utiliza o omalizumabe, este vai se ligar e inutilizar os anticorpos E, impedindo que eles se liguem aos ácaros e causem os sintomas.
Os estudos científicos mais promissores com o omalizumabe foram os com pacientes portando asma persistente moderada a grave. Dessa forma, ele é principalmente indicado como tratamento complementar para adultos e crianças (acima de seis anos de idade) com essa doença respiratória. Normalmente são prescritos se os sintomas não são controlados por antinflamatórios inalatórios, os corticosteroides. Outras duas indicações incluem o tratamento complementar para adultos (acima de 18 anos) com rinossinusite crônica com pólipo nasal (RSCcPN) e o tratamento adicional para pacientes adultos e adolescentes acima de 12 anos com urticária crônica que não é controlada por medicamentos anti-histamínicos.
A asma é considerada grave quando os sintomas continuam intensos mesmo com a aplicação dos medicamentos usuais, como os corticoides inalatórios (bombinhas) com beta agonistas de longa duração, os LABA. Na asma grave o indivíduo pode recorrer com frequência a hospitalizações, necessitar de corticoides orais ou intetáveis mais que três vezes ao ano e possuir uma função pulmonar deficiente. A asma é um problema respiratório comum no Brasil, atingindo cerca de 20 milhões de brasileiros, sendo que de 5% a 10% desses são casos graves.
Outros medicamentos imunobiológicos disponibilizados para as alergias são:
Mepolizumabe (Nucala) e Benralizumabe (Fasenra) – anticorpos que neutralizam uma classe de proteína inflamatória chamada de citocina, mas especificamente a citocina IL-5, muito produzida durante as crises alérgicas. É indicado para casos de asma grave eosinofílica, granulomatose eosinofílica com poliangeíte – GEPA e síndrome hipereosinofílica.
Dupilumabe (Dupixent) – anticorpo que neutraliza outra citocina, a IL-4, que também é importante na manutenção das crises de alergia. O medicamento é indicado principalmente para casos graves de dermatite atópica de crianças e adolescentes, quando o tratamento medicamentoso tópico habitual não tiver tendo efeito. O dupilumabe está indicado também no tratamento da asma grave, na rinossinusite crônica com pólipo nasal e na esofagite eosinofílica.
Tezepelumabe (Tezspire) – anticorpo neutralizante da citocina TSLP (linfopoeitina do estroma tímico), promovendo uma diminuição da inflamação no geral, incluindo a alérgica. É indicado para casos de asma grave, assim como o omalizumabe.
Eles substituem a imunoterapia clássica? Eles são seguros?
As indicações da imunoterapia e dos imunobiológicos são diferentes, então um não substitui o outro, sendo complementares. A imunoterapia é um tratamento que objetiva alterar o curso da doença, ou seja, através de uma vacinação constante e demorada, mudar a resposta do corpo à substância que causa alergia, promovendo controle ou cura definitivos; já os imunobiológicos são indicados para diminuir a gravidade de algumas alergias, principalmente a asma, possuindo um efeito potente nos sintomas, mas sem atingir a causa da doença.
O consenso é que os imunobiológicos aparecem sendo mais uma opção terapêutica aos outros medicamentos.
Todos os imunobiológicos são considerados seguros, com probabilidade muito baixa de causar efeitos adversos graves, como anafilaxias. São aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) que garante a eficácia e segurança desses medicamentos. Como agem no sistema de defesa do corpo podem levar, embora raramente, há uma baixa momentânea deste, causando uma leve imunodeficiência, resultando no aparecimento de infecções respiratórias, conjuntivites e faringites. Entretanto, como são medicamentos novos, ainda não são conhecidos todos os potenciais riscos.
Deve-se ter cautela em aplicar alguns imunobiológicos junto de algumas vacinas presentes no Programa Nacional de Imunização (PNI), principalmente o dupilumabe e o tezepelumabe e, sobretudo, as vacinas de vírus atenuado, como a BCG, a febre amarela e a tríplice viral SCR (sarampo, caxumba e rubéola). A recomendação é um intervalo de pelo menos uma semana entre a vacina e o imunobiológico.
Uma precaução importante é em relação ao aparecimento de herpes zoster em pacientes em uso de mepolizumabe e benralizumabe, já que tais medicamentos já foram associados a uma reativação de herpes zoster, então para pessoas de risco é importante pensar em tomar a vacina para zoster antes do início do tratamento com esses imunobiológicos. O omalizumabe parece ser seguro quanto a esse fato.
No mais, utilizar os imunobiológicos junto das vacinas para a alergia (imunoterapia) é seguro e, inclusive, há casos de indicação combinada das duas terapias.
Eles são disponibilizados pelo SUS ou pelos planos de saúde?
Se você já procurou saber sobre o preço dos imunobiológicos pode ter sido surpreendido por conta do seu alto custo. Normalmente, os medicamentos de medicina personalizada possuem valor alto por não serem produzidos em alta quantidade, possuírem matérias primas custosas e de ser necessários um maquinário e uma mão de obra altamente especializada e cara.
Porém, há esforços das agências nacionais para tornar esses tratamentos mais acessíveis para a população. Na revisão do Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica da Asma do Ministério da Saúde (PCDT) publicada em 2021 foram incluídos três imunobiológicos para a alergia, o mepolizumabe e benralizumabe para asma eosinofílica grave e o omalizumabe para asma alérgica e urticária crônica espontânea
(UCE).
Esses medicamentos foram, no mesmo ano, incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Recentemente, em 2024, o tezepelumabe para asma eosinofílica grave e o dupilumabe para dermatite atópica grave também foram incluídos no Rol de Procedimentos, implicando na cobertura de todos esses cinco medicamentos pelos planos de saúde.
Caso o plano recuse a cobertura, é possível entrar em contato com um advogado especializado em Direito da Saúde. Lembrando que não são para todos os casos clínicos e faixas etárias que tais medicamentos são indicados e, portanto, é necessária uma indicação precisa por meio de prescrição médica muito bem documentada.
Também em 2021, o Ministério da Saúde, através da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) incluiu no SUS o omalizumabe para o tratamento da asma grave não controlada por corticoides inalatórios e o mepolizumabe para asma eosinofílica grave em pacientes com mais de 18 anos. Esses são os dois imunobiológicos disponibilizados pelo SUS para o tratamento das alergias.
Os imunobiológicos representam um avanço significativo no tratamento de condições alérgicas graves, oferecendo novas opções para pacientes no Brasil. E o futuro parece promissor, com avanços contínuos na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos. Apesar dos desafios relacionados ao custo e também ao acesso, esses medicamentos têm o potencial de melhorar consideravelmente a qualidade de vida dos pacientes alérgicos.